ARTIGO – ASSÉDIO E A RESPONSABILIDADE CORPORATIVA

Em busca da responsabilização efetiva em casos de assédio sexual

Por Mayra Cotta, Advogada Criminal especializada em gênero e fundadora da Veredas – Estratégias em Direitos Humanos

Cada vez mais estamos tomando consciência da extensão e gravidade do problema do assédio sexual no trabalho. O enfrentamento desta questão tão séria passa por uma compreensão mais sofisticada e complexa do que é o assédio sexual no trabalho, como ele acontece e por que esse tipo de estrutura se reproduz. É também urgente a reflexão sobre as estratégias para responsabilizar não apenas os assediadores, mas também as empresas, organizações e instituições dentro das quais o assédio sexual ocorre.

O assédio sexual deve ser propriamente entendido como uma violência de gênero. Isso significa posicioná-lo como parte de um conjunto de práticas que se apoiam tanto na assimetria de poder típica das relações de trabalho, quanto na posição da mulher nessas relações. Esta assimetria, evidentemente, não começa nem termina no mundo do trabalho e também é afetada por outras estruturas de poder, como as baseadas em raça e classe.

Isso significa reconhecer que episódios individuais de assédio sexual, violência de gênero e microagressões, e qualquer tipo de comportamento inadequado são sinais significativos de um ambiente de trabalho sistemicamente problemático. Isso não implica, evidentemente, abdicar da responsabilização individual – e, às vezes, até mesmo criminal, claro – dos assediadores. O foco, contudo, não pode ser apenas esse. O assédio sexual, sustentado e reproduzido por ambientes de trabalhos tóxicos, deixa para trás uma terra arrasada que precisa ser endereçada.

As soluções atuais disponíveis hoje por parte de empresas e organizações são, na melhor das hipóteses, insuficientes e tímidas quando não são, na pior delas, meras reproduções das práticas que buscam combater. Às vezes, são apenas cosméticas, e quase sempre pontuais, criadas apenas para responder a uma situação de emergência específica, sem considerar outros casos possíveis, nem as causas estruturais que levaram ao incidente. Precisamos pensar em respostas imediatas para abordar episódios específicos de assédio sexual, responsabilizar os diretamente envolvidos e reparar as vítimas, ao mesmo tempo em que se reflete também a respeito de soluções de longo prazo para corrigir o ambiente de trabalho.

Proponho aqui, portanto, alguns princípios básicos para o enfrentamento efetivo do assédio sexual no trabalho. O primeiro deles é o reconhecimento extensivo e categórico das formas de manifestação do assédio sexual, que pode acontecer na forma de comportamentos inapropriados, microagressões, estímulo e manutenção de ambientes tóxicos e outras formas de violência de gênero. Reconhecer que o assédio sexual não é apenas uma ação específica que acontece em um tempo determinado, mas também um complexo conjunto de práticas que se combinam de maneira sustentada é um passo fundamental para o seu enfretamento efetivo.

O segundo princípio deve ser o compromisso com uma abordagem estrutural do assédio sexual. Isso significa que comportamentos individuais devem ser propriamente contextualizados e casos específicos devem ser lidos como reflexos de estruturas, as quais também devem ser endereçadas. A partir deste princípio, entende-se que conflitos interpessoais são também sinais de problemas ainda mais amplos, e que muito dificilmente um episódio dentro de um local de trabalho será um fato isolado. Evidentemente, a abordagem estrutural não pode ser feita em prejuízo da responsabilização individual. Não podemos em nenhum momento abrir mão do reconhecimento formal dos problemas e das pessoas afetadas, além da distribuição adequada de responsabilidade.

Dentre estas medidas que devem estar prontamente disponíveis às empresas, seja por meio de estruturas internas ou pela terceirização de serviços capazes de lidar com estas demandas, estão a possibilidade de investigação de casos específicos e de mediação e resolução de conflitos.

É também necessário que este processo gere recomendações de punições e admoestações, bem como ofereça suporte a vítimas e testemunhas. Se este processo revelar outros comportamentos problemáticos, é preciso que seja imediatamente estabelecido um espaço de comunicação para que as conversas difíceis com aqueles que se comportam de maneira problemática possam acontecer.

É fundamental o compromisso das empresas e organizações no combate e prevenção do assédio no trabalho. Somente a partir da institucionalização da responsabilidade pela criação de ambientes de trabalho dignos e sadios conseguiremos de fato criar uma sociedade livre de assédio.

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