ARTIGO – DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

Como é o desenvolvimento profissional de alguém que está fora da bolha e como isto impacta sua carreira?

É indiscutível que cada um de nós carrega uma história de vida, com desafios e vivências próprias, e que essa bagagem se reflete em sua trajetória profissional, impactando diretamente a jornada de desenvolvimento. Quando analisamos o topo da liderança executiva no país, observamos que a maioria dos executivos têm perfil semelhante, geralmente vindos dos mesmos círculos sociais.

Pouco a pouco, as classes menos favorecidas socialmente estão conseguindo furar a bolha e galgando posições de destaque em níveis de gerência e diretoria. E, de fato, o desenvolvimento desses profissionais é diferente, mas pode levar ao mesmo lugar que você está e a lugares ainda mais longe. Este movimento orgânico de aprendizagem, a partir das adversidades experienciadas, é que torna o mundo mais rico e dinâmico, com diferentes perspectivas.

E o que essa nova dinâmica tem em relação com a sua carreira?

Tudo! Este é o novo ecossistema das organizações. Um grupo diverso, de diferentes origens, perfis, gerações, pensamentos e raças, composto por indivíduos que não necessariamente fizeram trajetórias clássicas e/ou usuais e que hoje fazem parte do universo corporativo. Estas pessoas podem ser seus líderes, seu time, fornecedores, compradores, consumidores e usuários dos seus serviços e produtos.

O mundo está se transformando. E, ainda assim, seguimos trabalhando com um único modelo de gestão, um único padrão de candidato, uma única persona de consumidor, um único modelo de aprendizagem… Estes padrões ainda funcionam? Sim, no entanto, eles excluem 90% da população, que não foi exposta ao ambiente ‘natural’ para a maioria, que vive à margem destas bolhas, mas que acaba influenciando todo o sistema porque são um novo perfil de colaborador que vem ganhando espaço no mercado, porém ainda com baixa representatividade na liderança.

Ao elaborar um programa de desenvolvimento para este público, é fundamental considerar esta realidade. Como proporcionar a melhor experiência, que seja empática à realidade dos participantes, e ao mesmo tempo apresentar soluções que contribuam para a aprendizagem de novos comportamentos? Com certeza este é um dos maiores, senão o maior, desafio que temos atualmente.

Como lido com alguém que chegou aonde cheguei mas, a partir de caminhos de aprendizagem completamente diferentes do que vivenciei? Como oriento um profissional que vem de uma realidade de vida muito diferente da minha, enfrentando adversidades que sequer conheço? Como identifico as formas de aprendizagem deste público? Sim a pergunta traz o termo ‘aonde cheguei’ porque, felizmente, os grupos considerados minoria nas organizações começam a ocupar espaços na alta liderança.

Esta pergunta exige pausa, reflexão e nos provoca a percorrermos toda nossa trajetória profissional até aqui para uma análise franca e sincera de quem passou pelo nosso caminho seja como equipe, pares, líderes e/ou parceiros. Por que muitos dos meus pares ficaram pelo caminho? Por que nem todos conseguiram se adequar ao ‘universo corporativo’? Por que muitos não conseguiram seguir os códigos não-verbalizados do mercado?

Para exemplificar compartilho o estudo de caso do Programa EBWL – Empower Women to Senior Leadership, programa de desenvolvimento de mulheres negras, que já está na sua segunda edição. Idealizado pela WILL, junto com o apoio de 10 empresas patrocinadoras que enviaram participantes e líderes seniores para realizarem mentoria.

As participantes já ocupam posições de liderança e a evolução da carreira e da mudança de perfil destas profissionais entre a primeira turma e a segunda que acabou de começar é perceptível a partir de indicadores coletados pela Serh1 consultoria, especialista em gestão de carreira na atualidade, responsável técnica do programa e empresa que tenho o prazer de liderar.

A primeira mudança que vimos foi no número de participantes: saímos de 22 participantes para 34 por
demanda das próprias empresas patrocinadoras, sendo que uma delas enviou 10 participantes para o programa. Nossa leitura vem justamente da consciência de que é preciso buscar novas formas de desenvolvimento que atendam as necessidades destas participantes assim como contribua para que a carreira delas sejam aceleradas, nas respectivas empresas.

Essa necessidade vem da falta de vivência corporativa destas profissionais, a maioria delas são as primeiras de suas famílias a ingressar em uma grande corporação. Situações consideradas como óbvias para muitos profissionais, que tiveram seus primeiros mentores ainda no núcleo familiar, são um desafio para as integrantes desse grupo. Grande parte delas ainda está aprendendo skills básicos para a sobrevivência no mundo corporativo, como, por exemplo, protagonizar reuniões, encontros de relacionamento, happy hours, viagens de negócios, entre outros momentos que são chave para a evolução profissional.

Naturalmente, trata-se de um grupo que, embora compartilhe experiências pessoais riquíssimas, simplesmente não teve essa representatividade dentro da família, para aprender pelo exemplo, ou foi treinado durante a vida escolar/acadêmica. Para as participantes do programa, esses skills estão sendo trabalhados em workshops e nas mentorias, graças à troca de experiências com altos executivos das empresas voluntárias e em outras atividades que fazem parte do programa.

No pilar de mentoria do programa estimulamos aos mentores compartilharem sua realidade e, também escutarem com interesse a realidade delas que, em sua grande maioria é bem diferente. E com esta dinâmica todos ganham, todos ampliam sua perspectiva e começam a considerar aspectos que antes não eram considerados, como por exemplo, dicas para um encontro de networking, receber um visitante internacional, conduzir um almoço de negócios…

Na segunda turma do programa EBWL constatamos que 40% das participantes fizeram mestrado ou doutorado e 45% já ocupam posição de gerência sênior ou diretoria. 67% já realiza reuniões em outro idioma e 60% já passou pelo menos 30 dias fora do país e uma delas morou por 16 anos nos Estados Unidos trabalhando em uma grande multinacional, referência na sua área. Dados que comprovam o quão estas pessoas chegaram em posições similares as de seus antigos líderes e colegas estão se especializando para oferecer o melhor de seu potencial.

O fim é o mesmo, mas os meios… aqui há espaço para muitos aprendizados ainda!!! E para que todos tenham as mesmas oportunidades, é preciso incentivar o intercâmbio de vivências entre os diversos grupos, pois fica o questionamento: Estamos preparados e comprometidos o suficiente para liderar equipes diversas?

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