O papel das mulheres para o equilíbrio da sociedade e das empresas.
“Rodas, rodas, rodas. E, no momento em que o avião sai do chão, asas!”
Assim começa o livro O momento de voar – Como o empoderamento feminino muda o mundo, de Melinda Gates. Nele, a autora fala que a jornada em defesa dos direitos do cidadão começa com o planejamento familiar e, portanto, das mulheres, pilares das famílias.
Para Melinda, a desigualdade no mundo só diminuirá à medida que as meninas e mulheres se tornem empoderadas em todas as instâncias. Ela esclarece que famílias protegidas são as que têm alimento, crianças que vão à escola e mulheres com a opção de quando e como ampliar sua família. Nesse ambiente, há menos desigualdades, mais inclusão e, consequentemente, um caminho para uma sociedade melhor.
Alguns governos internacionais já adotaram medidas para reduzir as desvantagens da mulher no mercado de trabalho, tais como reformas tributárias, sistemas de benefícios ou legislação sobre discriminação e inclusão. Ao mesmo tempo, as empresas reconhecem que existe uma falha de gênero na participação da força de trabalho, principalmente no que se refere à presença feminina nas posições de liderança.
A McKinsey tem realizado pesquisas desde 2015 comprovando que empresas que contam com lideranças diversas – em gênero, etnia, raça, faixa etária, geografia e experiência profissional – têm 25% mais chances de ser lucrativas do que as empresas não diversas.
Durante a pandemia, vimos que países liderados por mulheres tiveram menos pessoas infectadas e menos mortes. Um estudo publicado pela Harvard Business Review mostra que, em momentos de crise, as mulheres performam melhor do que os homens, principalmente nas competências iniciativa, agilidade, motivação e inspiração, desenvolvimento de pessoas e construção de relacionamentos.
Então, qual é o motivo para que o percentual de mulheres nas lideranças das organizações continue tão baixo? Em pesquisa realizada em março deste ano pelo Valor Investe e IBGC junto às empresas listadas no mercado de capitais brasileiro, observou-se que apenas 12,28% do total de diretores são mulheres e apenas 1,7% das companhias contam com CEOs mulheres. O mesmo ocorre nos conselhos de administração das empresas brasileiras. O
Board Index divulgado pela Spencer Stuart destacou que em 2020, as mulheres representavam apenas 11,5% dos membros dos conselhos de administração das companhias brasileiras, um dos percentuais mais baixos na comparação internacional. Retirando as conselheiras suplentes, o percentual cai para 9%.
Uma possível resposta está no fato de que todos temos vieses inconscientes que precisam ser revisitados. Um viés inconsciente é quando o cérebro humano cria atalhos para encontrar soluções para questões vivenciadas no dia a dia. Tais atalhos são criados de acordo com a história e a experiência pessoal de cada um. Ora, se um profissional busca outro profissional no mercado, a tendência é contratar alguém similar a si mesmo ou a seus colegas de trabalho. Esse viés acontece não apenas nas questões de gênero, mas também nas questões de raça, classe social, faixa etária, regionalidade, e assim por diante.
Mas a sociedade pede mudanças, pois as novas gerações não aceitam mais a não diversidade e a falta de inclusão, e tampouco os investidores, que já perceberam que a diversidade e a inclusão agregam valor ao negócio. Essa transformação carece da colaboração do Estado, da sociedade civil e de toda a comunidade empresarial, homens e mulheres, por meio de ações afirmativas e definição de metas visando à ampliação da diversidade nas empresas e, principalmente, da inclusão.
A 5ª edição do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC mostra que, para a melhor atuação do conselho de administração, o órgão deve ser diverso em sua composição. A Agenda Positiva de Governança do IBGC, lançada em novembro de 2020 junto a mais 30 organizações da sociedade civil, entende que a promoção da diversidade e inclusão deve começar no próprio conselho de administração e na diretoria. Isso passa pela valorização de um perfil plural de líderes, com representatividade de diferentes segmentos da população – sobretudo mulheres e negros – e com compromisso efetivo com negócios sustentáveis e práticas inclusivas, respeitosas, abertas e justas.
O próprio instituto vem desenvolvendo ações afirmativas relevantes, tais como o Programa Diversidade em Conselho (PDeC) – desenvolvido juntamente à B3, IFC, Spencer Stuart e Women Corporate Directors (WCD) -, que já se encontra no final de sua quinta edição. Por este programa de mentoria, já passaram cerca de 140 mulheres, sendo que grande parte delas já está atuando em conselhos de administração ou em comitês de apoio ao conselho.
O próprio PDeC fez um movimento neste ano junto a fundos de pensão e ao mercado financeiro, reforçando a importância do convite a mulheres para representá-los nos conselhos das empresas nas quais são acionistas. O IBGC, por exemplo, conta com seu próprio banco de conselheiros certificados, com mais de 300 mulheres. As associadas do instituto se reúnem mensalmente nas principais capitais brasileiras por meio dos Fóruns de Mulheres, um espaço de troca de melhores práticas entre as diversas profissionais dos mais diferentes setores.
Vimos também, recentemente, movimentos interessantes em busca da diversidade em conselhos, tais como a contratação de celebridades para conselhos consultivos, de administração e comitês de sustentabilidade. Nesse sentido, as ‘celebridades’ são entendidas como profissionais que
trarão contribuições diferentes e inovadoras para as organizações, com um olhar diferenciado para suas atividades e projetos.
Para pensarmos em uma formação diversa e inclusiva de um conselho de administração, é preciso considerar duas perspectivas: (i) a da empresa, que necessita que o conselheiro aporte seu conhecimento e tome decisões de forma a agregar valor à empresa e à sociedade, sempre visando sua longevidade; e (ii) a do conselheiro de administração, que precisa avaliar se está capacitado para essa responsabilidade, pois assumirá compromissos exigidos pela posição e será corresponsável pelas decisões tomadas.
É nesse sentido que a escolha do dono, sócios ou acionistas de uma empresa por determinado conselheiro de administração e a aceitação do convite por este profissional envolvem a construção de relações de confiança entre ambas as partes. Esse administrador tomará decisões em nome da empresa no lugar de seus proprietários, responsabilizando-se plenamente e financeiramente por seus atos e omissões.
A diversidade do conselho é uma questão importante de governança. No entanto, é um meio para um fim, não um fim em si mesmo. Um órgão colegiado diverso, que considera devidamente as diferentes perspectivas, percepções e visões em relação às questões que afetam a organização, pode contribuir para uma melhor resolução de problemas e tomada de decisões, promover inovação e aumentar a eficácia e o desempenho do conselho.