A entrevistada desta edição é a recém-integrante do time de conselheiros da WILL, Paula Lindenberg, que, desde janeiro, vem brilhando à frente das operações da Diageo no Brasil, no Paraguai e no Uruguai. Ao longo da carreira, a
executiva teve a oportunidade de exercer cargos de liderança no Brasil e no exterior, em países culturalmente diversos como Equador, Estados Unidos e Reino Unido, e vai compartilhar as experiências que vivenciou, além das boas práticas que podem inspirar o mercado brasileiro.
1) A maior parte da sua carreira foi desenvolvida no setor de bebidas, um ambiente que, até pouco tempo, era voltado, quase exclusivamente, ao público masculino. Quais foram os principais desafios enfrentados em sua trajetória rumo à liderança?
O setor de bebidas vem evoluindo em representatividade, mas, quando entrei, em 2001, ainda era predominantemente masculino. Em diversos momentos da minha carreira tive dúvidas se eu teria chance de progredir, de alcançar meus sonhos, de ter oportunidades de liderança, pois não havia exemplos de mulheres que tinham chegado lá. A falta de representatividade fazia com que eu me questionasse se valia a pena tanta dedicação profissional. Em momentos de dúvida, alguns chefes e mentores foram muito importantes. Eles me ajudaram a reconhecer gaps, áreas em que eu precisava aprender, melhorar e também contribuíram para a minha autoconfiança, no sentido de me fazerem acreditar que sim, por meio de resultados, eu poderia alcançar meu potencial.
2) Houve momentos em que você precisou abrir mão de alguma oportunidade importante da sua carreira em nome da família? Você acredita que o mercado agora está mais flexível em relação às necessidades das mulheres que ocupam cargos executivos?
Ao longo destes anos de carreira profissional, ter mobilidade foi importante. Fui expatriada três vezes. Na primeira, era casada e sem filhos e nas duas últimas, já tinha minhas duas filhas. Em toda essa jornada, a parceria com meu marido foi fundamental. Nos momentos de decisão, sempre pensamos juntos, analisamos o que consideramos ser melhor para a família. Não o que era melhor para um ou para o outro. E foi assim que optamos por nos mudar primeiro para o Equador, depois para Nova York, e depois para Londres. Essas foram oportunidades de desenvolvimento profissional para mim, mas também vivências interessantes, muito ricas para a família. Neste último ano, voltar para o Brasil tornou-se importante para a minha família. Foi assim que decidi sair da AB-Inbev, depois de 20 anos, e me juntar a Diageo no Brasil. Hoje, vejo as empresas evoluindo no sentido de proporcionar flexibilidade de local e de horários, algo que aprendemos com a pandemia. A flexibilidade é boa para todo mundo, mas para as mulheres, que infelizmente ainda são mais sobrecarregadas com tarefas domésticas, é fundamental.
3) Você ocupou cargos de alta liderança no Brasil e no exterior, tanto na América Latina, quanto na Europa. No geral, as oportunidades para a ascensão profissional de mulheres são diferentes no Brasil e no exterior?
Os números mostram que as empresas europeias têm mais mulheres em cargos de liderança do que as da América Latina, é fato. A consciência sobre a importância da diversidade existe lá há mais tempo. Mas, na minha visão, o mundo está mais parecido do que nunca. A globalização e o acesso à informação fazem com que as discussões aconteçam simultaneamente. E isso é muito bom, pois, como consequência, permitem o rápido aprendizado e o consequente desenvolvimento, de forma mais acelerada. Nas classes econômicas mais privilegiadas acredito que as diferenças vão ser cada vez menores. O problema maior ocorre entre a população que não tem acesso à educação e à saúde. Nestas condições, as mulheres sofrem mais. E, infelizmente, este cenário ainda é muito mais frequente na América Latina do que em países desenvolvidos.
4) O que falta para o mercado de trabalho brasileiro alcançar a equidade de gênero? Com base na sua vivência, como as empresas podem contribuir para acelerar esse processo?
Eu acho que muita empresa hoje trata diversidade e inclusão por pressão externa, para parecerem ‘politicamente corretas’. Falta a consciência de que uma composição mais diversa também gera melhores resultados financeiros para a empresa. Quando as empresas entenderem que diversidade quer dizer melhores perspectivas, ideias que atendem uma parcela maior da população e, portanto, vendem mais, a equidade vai acelerar. Para dar um exemplo, o meu setor, de bebidas alcoólicas, hoje tem consumo predominantemente masculino. Crescer a venda entre mulheres é provavelmente a maior oportunidade de crescimento. Quem vai entender que cerveja é difícil carregar, abrir?; que cartaz com mulher de biquíni não é legal, o homem ou a mulher? Grupos diversos geram perspectivas mais amplas e, portanto, melhores negócios.
5) Como você analisa as mudanças que as grandes marcas têm implementado para tornar a comunicação mais inclusiva e menos sexista? Qual é o impacto de medidas desta natureza para a sociedade?
Essa é uma grande bandeira minha desde 2014, quando assumi a liderança do marketing na Ambev. A cerveja objetificou o corpo da mulher durante muito tempo e, naquela época, ainda tínhamos cartezes das marcas
retratando mulheres de biquíni. Uma ação que fizemos, logo no começo, foi chamar ilustradoras mulheres para redesenhar esse material retratando as mulheres como achamos que elas devem ser retratadas hoje: de roupa, consumindo a cerveja, se divertindo e não servindo. Fizemos uma campanha grande para que os pontos de venda, bares, padarias, restaurantes, trocassem os cartazes antigos pelos novos, redesenhados. Foi um pedido de desculpas. Um ato corajoso de assumir que erramos e nos mostrarmos abertos a evoluir. A partir desse momento, nunca mais foram feitas comunicações objetificando o corpo da mulher e passamos a buscar formatos para dar protagonismo à mulher de uma maneira diferente, igualitária. Ainda há muito a fazer, mas vejo progresso e vontade de fazer melhor.