Luiza Helena Trajano (Personalidade do Ano), Rachel Maia (Líder do Ano) e Teresa Vernaglia (Executiva do Ano), personalidades de destaque na premiação de MELHORES E MAIORES 2020, falam sobre como as mulheres têm conseguido conquistar seu espaço no mundo corporativo ainda predominantemente masculino.
A equidade de gênero, como se sabe, é fundamental para os negócios, uma vez que empresas mais diversas tendem a atender melhor às necessidades dos diferentes clientes. Mas a presença de homens e mulheres no topo das organizações ainda é bastante desigual, mesmo quando os gêneros estão igualmente representados na base. Em uma pesquisa americana da consultoria McKinsey, pelo sexto ano consecutivo, as mulheres continuaram perdendo espaço na liderança.
De acordo com o levantamento, para cada 100 homens promovidos a gerente, apenas 85 mulheres são promovidas. Essa lacuna é ainda maior para negras e latinas — a proporção cai para 58 e 71, respectivamente. Como resultado, no geral, elas ocupam apenas 38% dos postos em nível gerencial, e essa presença diminui quanto mais alto o cargo. Outro ponto relevante na disparidade é o salário. Mesmo quando chegam a cargos de liderança, as mulheres ganham em média 23% menos do que os homens, segundo a empresa de recrutamento Catho.
Mas dá para ter esperança de que as coisas vão melhorar. Há cada vez mais empresas atentas à questão da diversidade e que estabelecem políticas de ascensão feminina por meio de treinamentos de vieses inconscientes, mentorias, equidade na licença parental e um plano de carreira robusto que ajude a mitigar essas desigualdades. Afinal, é um investimento bom para a sociedade e também para os negócios.
Outra pesquisa da McKinsey aponta que, globalmente, uma empresa com equidade de gênero na liderança tem resultado financeiro, em média, 21% maior do que as empresas sem essa característica. Na América Latina, esse índice chega a 93% quando se comparam empresas do mesmo setor. “A correlação entre performance financeira e ambiente diverso influencia o desenvolvimento das práticas de inclusão de diferentes grupos socialmente minorizados”, diz Heloisa Callegaro, sócia da McKinsey.
Para incentivar o trabalho das mulheres nos mais diferentes setores, bem como a redução das disparidades de gênero, pela primeira vez em 47 anos, MELHORES E MAIORES decidiu destacar personalidades que fizeram a diferença em 2020. São elas: Luiza Helena Trajano (Personalidade do Ano), Rachel Maia (Líder do Ano) e Teresa Vernaglia (Executiva do Ano). Confira a seguir as entrevistas exclusivas dessas três personalidades à EXAME.
DIVERSIDADE NA PRIMEIRA PÁGINA
Rachel Maia anunciou em setembro sua saída da presidência da varejista de moda Lacoste para se dedicar a outros desafios, como participação em conselhos de mais empresas, consultoria, mentoria para jovens profissionais e investimento em companhias. “Tenho 30 anos de mercado e senti que precisava contribuir de forma mais efetiva, algo que não era possível ao trabalhar todos os dias para a mesma companhia”, diz.
Para ela, felizmente, o mercado mudou muito em relação à liderança feminina nos últimos anos. “Por diversas vezes, tive que atender mais o que as pessoas esperavam de mim do que eu era, mas isso muda na medida que se buscam pessoas autênticas e diversas. Além disso, há mais apoio entre as próprias mulheres.”
Atualmente, um dos principais impulsionadores dessa mudança é o ESG, sigla para environmental, social and governance (ou governança ambiental, social e corporativa, em tradução livre). “A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, tirou a diversidade e a responsabilidade corporativa da última página e colocou-a na primeira. Mais do que nunca, é uma questão de rentabilidade financeira, de investimento, e que não será passageira”, opina.
Justamente por mudar as estruturas dos negócios para sempre, é importante preparar as próximas gerações. Parte do trabalho de Rachel Maia tem sido o de se dedicar à mentoria de jovens talentos. “Tenho feito mentoria para alguns jovens. Um exemplo é o desafio universitário capitaneado pela empresa de tecnologia VTEX, no qual vou mentorar uma das três finalistas. Também estou trabalhando em um site não só para jovens, que vai fomentar a empregabilidade por meio da geolocalização e tem tudo a ver com o que acredito: empregar para dar a dignidade”, diz.
Rachel Maia lembra também a importância de levar em consideração a intersecção entre gênero e raça, algo que vem despertando interesse crescente das empresas. “Se não estão atentas à população negra de forma genuína, estão por uma questão financeira. As marcas começam a entender que existe um enorme potencial de consumo, e adequar-se a isso é fantástico!”, afirma.
Sem dar detalhes, a executiva comenta que está investindo em uma marca de maquiagem para pele negra. “Não preciso mais ficar com a pele clara quando uso maquiagem. Não preciso mais ter o cabelo pranchado nem atender aos estereótipos para um mercado que, na verdade, precisa de diversidade de ideias e muito propósito. Afinal, para mim, sucesso é impactar a vida das pessoas.”
PELA MUDANÇA ESTRUTURAL
Luiza Helena Trajano é presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, uma das varejistas de maior destaque neste ano. A companhia vem acelerando sua digitalização, realizou uma série de aquisições e está conseguindo superar as adversidades trazidas pela pandemia. No acumulado dos nove primeiros meses de 2020, a receita da empresa atingiu 28,6 bilhões de reais, 56,3% a mais do que no mesmo período de 2019. Na prática, as vendas deste ano já superaram as de 2019 inteiro — no ano passado, a receita foi de 27,3 bilhões de reais.
Além do aumento das vendas, o que chama atenção no Magazine Luiza é o seu posicionamento em prol das pessoas, como quando anunciou vagas exclusivas para jovens negros no seu programa de trainee, em setembro, ou quando reformulou o canal de denúncias de violência contra a mulher no aplicativo de compras do Magazine Luiza, em junho.
“Diversidade gera inovação e nos deixa mais perto do consumidor. Por exemplo, a mulher tem grande poder na decisão de compra, e empresas com mulheres na liderança podem estar mais atentas a isso”, diz Trajano. Ainda assim, ela afirma que há um longo caminho a percorrer. “Vejo nos conselhos de administração nos quais, muitas vezes, sou a única mulher. Quero mudar esse cenário.” Para ela, as empresas têm um papel fundamental na mudança da sociedade. “Existe um machismo estrutural, não só no Brasil como também lá fora, e as empresas podem contribuir para a mudança. Um exemplo é o banco Goldman Sachs, que, em janeiro, anunciou que só fará IPO de empresas que tenham mulheres na diretoria”, diz.
Uma forma que a empresária encontrou para promover a equidade de gênero éo grupo Mulheres do Brasil, uma rede suprapartidária feminina que defende a liderança da mulher na construção de um país melhor. Com a evolução do grupo nos últimos cinco anos, Trajano passou também a perceber melhor a importância de discutir a intersecção de gênero e raça. “Entendi o impacto do racismo estrutural na vida dessas mulheres, que, muitas vezes, estão nas periferias, com salários inferiores, e quando chegam ao topo também passam por outras formas de discriminação.”
A iniciativa de criar um programa de trainee exclusivo para negros foi uma forma de mitigar a disparidade. “Percebemos que eles não estavam chegando até nós sem esse esforço adicional e, como consequência, só 16% da liderança do Magalu é negra. Conversamos com especialistas, instituições e funcionários e entendemos que era a coisa certa a fazer”, afirma Trajano. A grande repercussão — positiva e negativa — não fez com que o programa retrocedesse. “Estou acostumada a quebrar paradigmas. Quando lançamos o canal de denúncia da violência contra a mulher, por exemplo, ninguém falava disso.”
Para Trajano, incluir e diversificar somente no Magalu não basta. Por esse motivo, ela procura usar seu poder para influenciar outros empresários e executivos. “Já fiz café da manhã com 200 presidentes de empresas para falar de violência doméstica. Também fui atrás para entender como a política pública de fato atua, inaugurando a nova Delegacia da Mulher de Franca [cidade sede do Magalu, no interior de São Paulo], e apoiando o Centro de Referência da Mulher, um espaço com amparo social e psicológico que oferece também condições para cursos e capacitações, com uma equipe da Prefeitura.”
Na visão de negócio do Magazine Luiza, o propósito precisa estar claro para o funcionário e para o cliente. E ir além da frase na parede para a atitude prática. “Sempre fui movida a propósito. É o que me desafia. É mais do que isso: a sociedade está cada vez mais atenta a quem atua de forma genuína”, afirma.
MELHORIA DENTRO E FORA DA EMPRESA
Teresa Vernaglia, presidente da empresa de saneamento BRK Ambiental, percebeu só recentemente a importância de ser uma porta-voz para promover a equidade de gênero e a liderança feminina. “Comecei a observar isso há pouco tempo, por volta de 2015. Ao fazer um curso de governança para executivas, percebi histórias de outras mulheres e comecei a me identificar com aquelas falas sobre situações nas quais, até então, eu não enxergava um problema”, conta. “Por exemplo, sempre fui a única mulher nas reuniões de executivos. Entendi que não deve ser assim e que tenho o papel de influenciar uma mudaça.”
A BRK, empresa com 5.000 funcionários, dos quais apenas 21% são mulheres, vem desenvolvendo uma série de atividades para promover a diversidade. Em 2018, a companhia assumiu compromissos como signatária da organização ONU Mulheres. Desde então, criou grupos de trabalho de diversidade e inclusão, envolvendo liderança feminina, questões étnico-raciais, pessoas com deficiência e LGBTI+.
Para Teresa Vernaglia, a pandemia da covid-19 reforçou ainda mais a necessidade de olhar para as pessoas. Além de garantir a segurança daqueles que precisavam continuar nas ruas, a companhia comandada por Vernaglia passou a fazer reuniões com psicólogos por meio da plataforma Teams sobre assuntos específicos, como ansiedade e depressão e sobre como lidar com os filhos em casa.
A partir daí, foram percebidas outras necessidades, como a importância de fazer o acompanhamento também de outros membros da família dos funcionários. “A desigualdade de gênero afeta também as famílias, uma vez que as mulheres lidam mais com os afazeres domésticos. No isolamento social, isso ficou ainda mais evidente e intenso. Então, oferecemos auxílio para minimizar os sentimentos negativos ocasionados por essa rotina”, diz.
Vernaglia acredita na importância de agir também fora do ambiente da empresa. Um exemplo é a conclusão do primeiro treinamento para encanadoras, que ocorreu em Recife, capital pernambucana, para 25 mulheres, brasileiras e venezuelanas em situação de refúgio. “A geração de renda representa a melhoria da qualidade de vida dessas mulheres”, afirma.
Essa qualidade, inclusive, está diretamente relacionada ao negócio da empresa de saneamento. Por isso, no fim de 2018, a BRK compilou dados do IBGE e do Ministério da Saúde para entender o impacto do saneamento na vida das mulheres. O levantamento mostrou que as mulheres que não têm acesso ao esgoto e vivem em regiões de periferia são, em geral, negras e têm notas 25% menores no Enem. Elas também são responsáveis por cuidar do membro da família que adoece, levando-as a faltar ao trabalho ou à escola.
“A partir disso, estruturarmos programas de microcrédito para ajudar famílias em vulnerabilidade a se conectar à rede de esgoto, uma vez que a empresa não entra na casa e é preciso fazer essa ligação de forma privada”, diz a executiva. “O impacto social afeta toda a cadeia, e meu papel é ajudar as mulheres a conquistarem mais oportunidades. Só assim deixaremos de ser uma minoria no topo.”